PETROLEIRAS VÃO À JUSTIÇA CONTRA IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO DE PETRÓLEO

PETROLEIRAS VÃO À JUSTIÇA CONTRA IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO DE PETRÓLEO

A decisão do governo de taxar as exportações de petróleo levou cinco grandes empresas privadas do setor a contestar a medida na Justiça, na tentativa de derrubar a cobrança. Shell Brasil, Equinor,
Petrogal, Repsol Sinopec e TotalEnergies ajuizaram na quarta-feira (8) pedido de liminar contra a tributação na Justiça Federal. Em nota, a Shell disse que “vê com preocupação” a criação do tributo e afirma que a cobrança vai ter efeito financeiro sobre a empresa no país.

Movimento semelhante é estudado por outras petroleiras, inclusive as “juniors”, de menor porte.
Uma das primeiras a se movimentar foi a Prio (ex-PetroRio), com a abertura de dois mandados de segurança na Justiça Federal do Rio, que foram negados na terça (7), segundo apurou o Valor. São dois
processos, um em nome da própria Prio e outro em nome da Dommo, antiga OGX, comprada pela Prio. Procurada, a companhia não se manifestou. Advogados dizem que as empresas podem recorrer aos tribunais de segunda instância, com recurso de agravo.

O tributo sobre as exportações foi anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na semana passada. O governo instituiu, por meio da medida provisória 1.163/2023, a cobrança do imposto de 9,2% sobre as exportações de óleo bruto nos meses de março a junho, para ajudar a compensar a queda na arrecadação com a desoneração de combustíveis.

Em nota, a Shell criticou o tributo: “A medida, que foi anunciada sem um diálogo significativo com a indústria, joga incerteza sobre novas decisões de investimentos, afetando a competitividade do Brasil no
setor de exploração e produção – em que o Brasil tem um forte potencial geológico”, disse.

A Equinor diz que a decisão de questionar judicialmente o tributo visa endereçar a preocupação da indústria com a atratividade de investimentos de longo prazo para o país. Segundo a companhia, esses investimentos “demandam previsibilidade nas estruturas jurídicas e regulatórias, com absoluto respeito aos contratos.”

Os nomes das cinco empresas estrangeiras que entraram na Justiça contra o imposto constam de processo na 16ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro. A TotalEnergies informou que não comentaria o assunto. Repsol Sinopec e Petrogal não responderam até o fechamento desta edição.

Também grandes exportadoras, Petrobras e ExxonMobil – que não participam do processo judicial – foram procuradas e não quiseram se posicionar. O Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) confirmou ao Valor que está estudando medidas na esfera judicial contra a cobrança do imposto.

A Shell ressalvou, entretanto, que o Congresso pode interromper a vigência da cobrança do imposto ou renová-lo para além dos quatro meses previstos inicialmente. “Portanto, ainda é cedo para se especular sobre os seus impactos potenciais”, disse.

Além do meio empresarial, a esfera política também se movimentou para tentar barrar o imposto. O PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a taxação. “Acreditamos que esse imposto é um claro retrocesso do ponto de vista de política econômica, com sérias consequências sobre a questão da segurança jurídica, além de uma burla à constituição brasileira”, disse o líder da oposição do Senado, Rogério Marinho (PL-RN). “O próprio ministro [da Fazenda, Fernando] Haddad deixa claro o caráter arrecadatório do imposto, para diminuir o déficit fiscal”, complementa o senador, lembrando que aumento de impostos precisa respeitar um prazo de 90 dias antes de entrar em vigor.

A MP 1.163 contudo, alega que a cobrança será feita na forma de taxação de natureza extrafiscal. Para o líder do PL, senador Carlos Portinho (PL-RJ), “há prejuízos a Estados onde há extração do petróleo. Esses Estados produtores de petróleo terão impacto direto dessa medida”. Os oposicionistas dizem que a via judicial é a única disponível, pois avaliam que o governo sequer pretende que a MP seja votada pelo Congresso – como medidas provisórias têm efeito imediato, ela tramitaria pelos quatro meses em que a taxação temporária seria realizada e depois, caducaria.

Mas no setor acredita-se que a tributação pode ser estendida para além dos quatro meses, tornando-se definitiva. A FGV Energia afirma que a taxação eleva os custos dos produtores, afeta contratos existentes e desestimula a exploração de novas fronteiras de exploração e produção no país.

Em nota, a instituição lembra que o cenário global é de restrição da oferta de petróleo e que o Brasil se encontra em posição vantajosa para exportar, pois está num momento de aumento da produção e relativa estabilidade da demanda interna. “Taxar a exportação sobre um setor que contribui com mais de R$ 170 bilhões em receitas anuais para o Estado somente contribui para a perda de competitividade do petróleo brasileiro”, diz.

Jennifer Cotta, presidente da comissão de Direito Aduaneiro da OAB do Rio e sócia do Kincaid Mendes Vianna Advogados, diz que as empresas têm argumentos fortes para suspender a cobrança na Justiça, como o fato de que um imposto de exportação não pode ter fim arrecadatório e de que a cobrança gera uma mudança nas condições dos contratos de concessão de áreas para exploração e produção de óleo e gás. “Esse imposto fere princípios basilares do direito, como a segurança jurídica e o princípio da não surpresa”, diz.

Cotta diz que esse tributo afeta a credibilidade do país, o que pode ter efeitos na atração de investimentos por anos, devido à percepção de que “as regras podem mudar no meio do jogo”. “É um prejuízo para os produtores que estão no Brasil, que vão concorrer com as empresas no exterior que não têm essa previsão tributária”, afirma.

A Dommo diz, no processo que corre na 27ª Vara Federal do Rio, que o imposto tem caráter extrafiscal e fere princípios da Constituição que asseguram a livre concorrência e vedam a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa. A juíza Geraldine Vital negou o pedido, pois argumenta que o Executivo tem poder para alterar alíquotas de impostos aduaneiros, conforme consta na decisão à qual o Valor teve acesso.

No outro processo, na 12ª Vara Federal do Rio de Janeiro, a Prio argumenta ainda que a taxa é inconstitucional, pois tem como objetivo apenas arrecadação, sem proposta objetiva de fomento ao setor. O juiz Marcus Livio Gomes também negou o pedido, pois não viu demonstração de que o tributo vá inviabilizar as atividades da companhia. “Não restou demonstrado, de forma cabal, que a instituição da alíquota em estudo ofenderia aos princípios da não vinculação, da livre concorrência, do tratamento isonômico e da capacidade contributiva”, disse o juiz.

Em relatório, a Fitch estima que o impacto da cobrança na Prio pode levar a uma queda de 12% no Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). A companhia hoje exporta a maior parte da produção, de cerca de 46 mil barris de petróleo equivalente por dia. “Caso se torne permanente, o novo imposto poderá incentivar a petroleira e outras exportadoras independentes de petróleo a vender localmente, uma vez que estas vendas estão sujeitas a uma taxa de imposto semelhante, e os perfis de produção de baixo custo oferecem flexibilidade”, diz.

Ao anunciar a criação do tributo, Haddad citou a possibilidade de a medida estimular o refino nacional. Representantes das refinarias independentes, entretanto, já sinalizaram que é improvável que um tributo de curta duração tenha impactos sobre os investimentos nesse segmento. Para a Fitch, a cobrança gera preocupações sobre as políticas da administração do presidente Lula para o setor de energia. “O anúncio sinaliza o início do aumento da interferência do governo no setor”, disse.

A Fitch diz que o impacto do tributo pode ser relevante para a Petrobras. “Pressões e políticas fiscais que enfraqueçam a flexibilidade financeira da empresa provavelmente colocarão em risco seus investimentos futuros.” (Colaboraram Vandson Lima e Caetano Tonet, de Brasília)

Fonte: Jornal Valor Econômico