BR do Mar: Secretário Nacional de Portos fala sobre o futuro da cabotagem no Brasil

BR do Mar: Secretário Nacional de Portos fala sobre o futuro da cabotagem no Brasil

Projeto deve ampliar a oferta de serviços no transporte entre portos brasileiros e incentivar o desenvolvimento da indústria naval

Após a aprovação do projeto BR do Mar na Câmara dos Deputados, o texto foi enviado para análise no Senado Federal. O Projeto de Lei 4.199/2020, criado pelo Governo Federal, tem como objetivo aumentar a oferta da cabotagem, incentivar a concorrência, criar novas rotas e reduzir custos com o transporte de cargas. Se tiver aval dos senadores, o projeto deverá ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro e começar a vigorar.

A cabotagem é um tipo de navegação realizada entre portos do mesmo país, sem perder a costa de vista. Ela contrapõe-se à navegação de longo curso, realizada entre portos de diferentes nações. O sistema foi muito utilizado para o transporte de cargas no Brasil na década de 1930, antes do desenvolvimento de ferrovias e estradas.

De acordo com o texto do BR do Mar, as empresas poderão afretar embarcações a casco nu. Isto é, alugar um navio vazio para uso na navegação de cabotagem. A matéria também flexibiliza a utilização de navios estrangeiros para realizar o transporte pela costa brasileira, sem obrigação de que as embarcações tenham sido construídas no país.

O projeto de lei envolve ainda algumas mudanças, como o tempo de transição para a locação de navios estrangeiros. Segundo o texto, após um ano de vigência da lei, as empresas poderão afretar duas embarcações. No segundo ano, três. E no terceiro ano, quatro navios. Após esse período, não haverá limite para afretamento.  As embarcações estrangeiras devem usar a bandeira do país de origem. A bandeira do país vincula algumas obrigações legais, desde comerciais, fiscais e tributárias até trabalhistas e ambientais, conforme informações da Agência Senado.

Segundo o presidente do SINCOMAM, Alcir da Costa Albernoz, o PL 4.199/2020 precisa ser modificado em favor dos trabalhadores da Marinha Mercante brasileira. “Não é possível que vamos deixar de fora a mão de obra qualificada de mais 2 mil marítimos desempregados e aprovemos uma lei gerando emprego para marítimos de outras nacionalidades. Lembremos que uma Marinha Mercante forte é sinônimo de soberania. Temos que fortalecer a construção naval e tripular os navios com brasileiros, sob pena de na hora de um conflito ficarmos vulneráveis a Marinha Mercante de outros países e sermos estrangulados, pois nenhum país no mundo é autossuficiente em tudo”, ressaltou Alcir Albernoz.

Para esclarecer os questionamentos sobre o programa de incentivo à cabotagem, o BR do Mar, o SINCOMAM conversou com o secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários do Ministério da Infraestrutura (MInfra), Diogo Piloni, que relatou sobre os principais pontos deste projeto, que tem sido debatido por empresas, sindicatos e autoridades, desde o ano passado.

“É natural que um projeto que tem como proposta uma importante mudança nas regras da cabotagem, buscando o aumento de concorrência, encontre críticas, pois algumas empresas terão que sair de suas zonas de conforto. O congresso é o local correto para que todas as vozes da sociedade possam ser ouvidas e onde o projeto será aperfeiçoado”, enfatizou Piloni.

Entraves do setor

Apesar do crescimento obtido nos últimos anos, a navegação de cabotagem no Brasil ainda enfrenta barreiras que impendem sua expansão no mercado. Na avaliação do secretário do MINfra, são diversos os entraves para o desenvolvimento da cabotagem no país. “O PL 4199/2020 é apenas uma das ações, que atua em um dos entraves que é a rigidez excessiva nas regras atuais de afretamento. O Projeto de lei age, assim, na flexibilização dos afretamentos, reduzindo barreiras de entrada e custos. Há também uma agenda que busca a otimização dos processos burocráticos, que tem sido trabalhada no âmbito do comitê técnico da cabotagem, na CONAPORTOS. Ainda na linha de redução de barreiras de acesso ao mercado, o imposto de importação de embarcações utilizadas na cabotagem foi zerado, no final do ano passado. Por fim, o ministério tem apoiado os estados na discussão sobre a redução do ICMS sobre o combustível utilizado na cabotagem, o bunker”, disse Piloni.

Segundo dados do Ministério da Infraestrutura, o transporte marítimo detém uma participação relativa de 10% ao ano, mas a pasta pretende alavancar esse número para em torno de 30% ao ano.  O Ministério reforçou que pretende ampliar o volume de contêineres transportados, por ano, de 1,2 milhão de TEUs (unidade equivalente a 20 pés), em 2019, para 2 milhões de TEUs, em 2022, além de ampliar em 40% a capacidade da frota marítima dedicada à cabotagem nos próximos três anos, excluindo as embarcações dedicadas ao transporte de petróleo e derivados.

O secretário Nacional de Portos disse, durante entrevista ao SINCOMAM, que a ideia é criar mais postos de trabalhos para os marítimos brasileiros. “Uma parcela significativa da cabotagem, atualmente, é operada por empresas estrangeiras de navegação, nos casos de afretamento a tempo e viagem. Nestas embarcações não há marítimos brasileiros. Na realidade, a resolução 06 do Conselho Nacional de Imigração estabelece alguns quantitativos mínimos de brasileiros, mas somente após 90 dias de operação ininterrupta em águas brasileiras, quando passa a existir a obrigação de 1/5 de marítimos nacionais, e somente após 180 dias, fica obrigado 1/3 de brasileiros. Assim, o BR do Mar permite que as empresas brasileiras de navegação acessem embarcações afretadas a tempo, sem a necessidade de circularização, em hipóteses específicas, mas obriga que uma grande proporção da tripulação seja composta por nacionais. Isso implica em um grande aumento de vagas para nossos marítimos, além daquelas que serão criadas com o aumento do transporte feito por cabotagem”, completou Piloni.

Indústria Naval

O governo propõe diversas ações para fomentar a indústria naval brasileira, em especial no segmento de manutenção e reparos. Contudo, se aprovado o projeto de lei, seria possível uma companhia autorizada operar no transporte de cabotagem sem precisar investir na construção de um navio, o que pode ser prejudicial para a indústria local. O secretário do MInfra pontuou que, atualmente, uma empresa já pode ser autorizada a operar na cabotagem sem ter construído uma embarcação no Brasil.

“Cumpre ressaltar que, à exceção de algumas embarcações aplicadas no transporte de petróleo e derivados, as EBNs têm optado por pagar todos os impostos que incidem na importação, e trazido navios construídos em outros países para a operação aqui no Brasil. Isso apesar da existência do Fundo da Marinha Mercante, que é considerado um dos mais significativos instrumentos de fomento da indústria naval no mundo. Esse movimento é natural, considerando o grande diferencial de preços dos navios, o que levou à construção de apenas quatro embarcações para a cabotagem nos últimos 10 anos, quando desconsideramos as utilizadas no transporte de petróleo e derivados. Assim, o ministério entende que a indústria naval brasileira, que tem demonstrado todo o seu valor nos segmentos de navegação interior e de apoios marítimo e portuário, deve ter uma mudança de foco quando o assunto é cabotagem. Deste modo, novos incentivos foram trazidos pelo BR do Mar para que nossos estaleiros busquem se qualificar para operações de reparo e docagem”, disse Piloni.

SINCOMAM defende a categoria

Especificamente no seu artigo 12, o projeto BR do Mar prevê a aplicação das normas do pavilhão da embarcação, eximindo as embarcações afretadas de cumprir a legislação brasileira. O SINCOMAM perguntou ao secretário como ele avalia problemática do setor. Em resposta, o secretário disse que esse tema é bastante complexo e deve ser debatido por todos os envolvidos no projeto.

“Temos hoje uma situação onde os marítimos brasileiros estão excluídos de uma parcela significativa da cabotagem. Como a legislação brasileira permite que operações em bandeira estrangeira sejam feitas no caso de indisponibilidade de frota nacional, as empresas acabam tendo um incentivo em buscar maximizar o uso deste tipo de operação. O BR do Mar obriga que a tripulação seja composta por um número significativo de brasileiros, mas com regras mais baratas, o que pode trazer o incentivo adequado para que as empresas deixem de buscar o afretamento a tempo de terceiros estrangeiros para aderir a uma das hipóteses de afretamento do programa. Mas sabemos que esta não é a única alternativa, e a equipe do Ministério da Infraestrutura tem interagido com o Ministério Público do Trabalho para avaliar possíveis melhorias no texto do artigo 12, que poderia, por exemplo, dar mais ênfase ao respeito às normas internacionais, e fortalecer os Acordos e Convenções Coletivas de Trabalho”, explicou Piloni.

O secretário do MInfra esclareceu ainda referente a questão polêmica do artigo 9º, que dispõe sobre as embarcações afretadas que não terão a obrigatoriedade de contratar 100% da tripulação brasileira. “O artigo 9º dispõe que as embarcações afretadas ficam obrigadas a ter tripulação composta de, no mínimo, dois terços de brasileiros. Dentro desta proporção, Comandante, Mestre de Cabotagem, Chefe de Máquinas e Condutor de Máquinas devem ser brasileiros. Esta proporção é a mesma estabelecida pelo artigo 369 da CLT, que regra a tripulação de navio ou embarcação nacional”, disse.

Para concluir, Diogo Piloni falou sobre o artigo 13, que trata de uma série de tributos, dos quais as empresas enquadradas no BR do Mar estarão isentas. O SINCOMAM perguntou ao secretário se ele considera ser bom momento para o Brasil abdicar da arrecadação de tributos. Em resposta, Piloni informou que, “a submissão de embarcações ao regime aduaneiro especial de admissão temporária com suspensão total do pagamento de tributos já é estabelecida no inciso I do artigo 5º da Instrução Normativa nº 1600/2015, da Receita Federal do Brasil. Assim, o artigo 13 não traz inovação, não representando qualquer abdicação de arrecadação de tributos. O disposto no BR do Mar apenas traz racionalização de burocracias e aumento da segurança jurídica ao setor”.

Fonte: SINCOMAM – Margarida Putti

Foto: Claudio Neves/Portos do Paraná

Acesse a Revista SINCOMAM e leia outras notícias do setor.