TCU vai 'segurar' decisão sobre decreto dos portos

TCU vai ‘segurar’ decisão sobre decreto dos portos

O Tribunal de Contas da União (TCU) pretende aguardar o desfecho do inquérito que investiga a relação entre o presidente Michel Temer e os terminais portuários para se manifestar sobre a legalidade do decreto que alterou as regras do setor. Até lá, várias empresas ficarão impedidas de ajustar seus contratos à nova legislação e, consequentemente, de tirar do papel investimentos estimados em R$ 13 bilhões.

A justificativa é a preocupação do TCU em não contaminar o ambiente político, sobretudo diante das crescentes especulações sobre uma suposta nova denúncia contra o presidente da República. Temer é suspeito de ter atuado para beneficiar empresas do setor com a elaboração do decreto 9.048/17, publicado em 10 de maio do ano passado.

Uma semana depois, veio a público o conteúdo da delação premiada do grupo J&F, que entre outras coisas acusou Temer e seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures de receberem propina para beneficiar a empresa Rodrimar, que opera no Porto de Santos.

O decreto abriu um prazo de 180 dias para que as empresas interessadas em aderir às mudanças se manifestassem. Em seguida, os contratos seriam alterados para que ficassem alinhados às novas regras. O Planalto chegou a agendar a assinatura dos primeiros aditivos, como foi batizada essa nova versão do contrato.

No dia 30 de novembro, entretanto, a área do TCU responsável pelo setor portuário solicitou ao ministro Bruno Dantas – relator dos processos dessa área – que expedisse uma cautelar proibindo a assinatura dos aditivos, sob o argumento de que as mudanças propostas pelo decreto tinham indícios de ilegalidade.

Dantas informou o ocorrido ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, e conseguiu um acordo. O governo só assinaria os novos contratos depois que o plenário do TCU se manifestasse de forma definitiva sobre o caso. Por essa razão, não foi necessária a medida cautelar.

Desde então, a área técnica do TCU solicitou mais informações ao Ministério dos Transportes e à Casa Civil para elaborar um parecer final sobre o decreto. As associações representativas dos terminais, por sua vez, reforçaram o lobby político em Brasília na tentativa de destravar o processo.

Nesse meio tempo, o Ministério Público Federal (MPF) também entrou em cena. O procurador José Elaeres Marques Teixeira, da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão, solicitou acesso aos autos do TCU. A expectativa é a de que o MPF proponha alguma ação relacionada ao caso, mas o órgão não comentou.

No TCU, entretanto, ainda não há nenhuma perspectiva para que o assunto seja debatido em plenário – e nem pressa para que isso ocorra. A avaliação é a de que, positiva ou negativa para Temer, qualquer manifestação em meio à crise atual causaria grande alvoroço.

Há ministros que acreditam, inclusive, que o governo e o setor portuário podem estar com a razão no debate. “Temo que o Supremo [Tribunal Federal] pode vir a puxar nossa orelha no futuro; questionar esse controle de constitucionalidade pelo TCU”, disse um ministro que pediu para não ter o nome publicado.

As três principais inovações trazidas pelo decreto, que vão possibilitar a esmagadora maioria dos novos investimentos, são justamente as que foram questionadas pelos técnicos do TCU.

A primeira trata da possibilidade de sucessivas prorrogações dos contratos, limitadas a um teto de 70 anos. As outras cuidam da autorização para que os terminais mudem de “endereço” dentro do mesmo porto e possam investir em áreas que não sejam exatamente aquelas que estão no contrato de concessão.

As empresas e o governo defendem com veemência as mudanças, vistas como modernizadoras e uma alavanca para investimentos e ganhos de produtividade no setor. O TCU vê, em análise preliminar, prejuízos à legislação e à livre concorrência.

Ironicamente, muitas das empresas que hoje cobram agilidade do TCU se beneficiaram da lentidão do órgão na análise do programa de concessões de terminais entregue ao órgão em outubro de 2013 pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

O processo só foi votado em maio de 2015 após muitas críticas externas e incontáveis pedidos de vista. “Está ficando ruim para o tribunal”, alertou o ministro José Múcio Monteiro na penúltima sessão antes da decisão do caso. “Daqui a pouco os estudos terão que considerar o risco da demora do TCU”, ironizou o ministro Benjamin Zymler.

Durante os quase dois anos de tramitação, foi intenso o lobby político no tribunal. Segundo o Valor apurou, integrantes do MDB como o ex-deputado Eduardo Cunha e o ex-presidente José Sarney, além de Rocha Loures, fizeram chegar aos ministros os seus interesse na matéria. Todos os citados negaram qualquer envolvimento no caso.

Desde aquela época, Rocha Loures já atuava para mudar as regras e permitir que terminais que assinaram contratos antes de 1993 pudessem prorrogar seus arrendamentos. Assim como aconteceu com o decreto, entretanto, o ex-assessor de Temer não conseguiu sucesso no TCU.

Nas discussões de 2015, o atual presidente do tribunal, Raimundo Carreiro, tentou incluir no acórdão uma recomendação para que o governo e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários considerassem a hipótese de oferecer a prorrogação para os contratos pré-93 cujas licitações apresentassem uma relação custo-benefício “desvantajosa”.

A proposta recebeu o apoio do ministro Aroldo Cedraz, mas sofreu forte resistência de outros ministros e acabou engavetada. Ainda assim, há certo consenso de que a grande demora na apreciação da matéria beneficiou os terminais que não querem ver suas áreas irem a leilão. Para esses, prevaleceu por muito tempo uma máxima hoje consagrada: “Tem que manter isso aí, viu?”.

Fonte: Valor