Setor naval espera pela terceira onda

Setor naval espera pela terceira onda

Um possível fortalecimento da política de conteúdo local na indústria de petróleo e gás natural, a partir de eventual vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais, abre espaço para a reflexão sobre se, depois dos fracassos nas políticas de estímulo ao setor, uma nova retomada seria sustentável. Há certo consenso que a ênfase no conteúdo local não poderia ser igual à do passado. Se o presidente Jair Bolsonaro ganhar, é possível que os estaleiros tenham que seguir focados em reparos e na atuação logística uma vez que, no atual governo, a Petrobras não estimulou a construção de plataformas nos estaleiros nacionais.

A última onda de construção, impulsionada com a descoberta do pré-sal, ressuscitou o setor naval e offshore, demandando a construção e a modernização de grandes estaleiros e descentralizando a indústria, situada no Rio. Foram criadas novas unidades na Bahia, Pernambuco, Espírito Santo e Rio Grande do Sul. Os dois principais eixos de sustentação foram o Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), que entregou só parte do que prometia, e a Sete Brasil, que também fez “fração” do que se previu em termos de sondas de perfuração. Promef e Sete Brasil, ambos ligados à Petrobras, foram alvo de investigações da Lava Jato por corrupção.

Antes desse esforço mal-sucedido outro grande investimento no setor havia ocorrido, nos anos 1950, no governo “JK”. Agora, se voltasse a se dar prioridade ao setor, o Brasil poderia passar por uma terceira ‘onda’ na construção naval. O Fundo de Marinha Mercante (FMM), principal fonte de financiamento para a indústria, é formado com parte dos recursos do frete das embarcações. O caixa do FMM elevou-se na mesma proporção em que as encomendas foram reduzidas. Em 2021, o saldo líquido era de R$ 8,7 bilhões, contra R$ 1,9 bilhão em 2011. Este ano, até o fim de julho, o saldo líquido era de R$ 3,6 bilhões.

Em 2017, o governo de Michel Temer reduziu os percentuais de equipamentos e serviços exigidos em licitações de campos de petróleo e gás, que ficaram entre 18% e 50%, dependendo dos blocos a serem licitados em leilões. Antes, o índice era de até 75%. A atual política colocaria o Brasil em desvantagem perante países que adotam medidas que protegem as indústrias navais, caso da China e dos Estados Unidos, diz o presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante (Sindmar), Carlos Augusto Müller. “O minério exportado para a China só chega em navios chineses e operados por chineses”, diz Müller. Foi estratégia da Vale, no passado, vender a frota própria e fazer contratos de afretamento de longo prazo.

Estudo da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) reforça a falta de prioridade para o conteúdo local: a participação de navios brasileiros no transporte de granéis líquidos e gasosos por cabotagem (entre portos brasileiros) caiu de 17,5% em 2014 para 4,1% em 2021, ao passo que o volume transportado entre 2010 e 2020 cresceu 40%. No granéis líquidos e gasosos, petróleo e gás natural respondem por 96,6% do total.

Fonte do mercado entende que reforçar a política de conteúdo local, tendo a Petrobras como comprador, é relevante em termos comerciais. O tema é polêmico e, mesmo dentro da Petrobras, historicamente, houve divergências sobre construir no Brasil ou no exterior. Fontes de outra petroleira endossaram a crítica: “Se nem a Petrobras tem feito encomendas no país, por que nós iríamos fazer?”

O tema da exigência de conteúdo local mínimo voltou aos holofotes porque o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido enfático na defesa em público da retomada da indústria naval, enquanto Bolsonaro não adotou medida no atual mandato em favor de mais conteúdo local.

Fonte: Valor