Reunião em Londres tenta destravar acordo sobre descarbonização do setor marítimo

Reunião em Londres tenta destravar acordo sobre descarbonização do setor marítimo

Uma mudança importante no perfil da navegação, setor que responde por mais de 90% das negociações globais e por 3% das emissões mundiais de gases estufa, está em discussão esta semana em conferência internacional, em Londres. Estamos em análise propostas sobre a precificação global de carbono e um padrão mundial para o combustível usado pelos navios. Uma das ideias sobre a mesa criaria a primeira taxa global sobre o carbono da história. A maioria dos países, inclusive o Brasil, contudo, rejeita a ideia e prefere uma opção de menor impacto econômico.

Segundo uma fonte, uma “cobrança universal na emissão dos navios” — como defender as pequenas ilhas do Pacífico com o apoio de organizações ambientalistas —, “significa uma taxa sobre a distância”. Os países da América do Sul, distantes de seus mercados, são contra a proposta.

Um acordo deve ser consensuado até sexta-feira (11) no encontro da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), iniciado na segunda-feira, dia 7 de abril. Pelo ritual da IMO, a decisão desta semana será adotada em seis meses, em outubro. Torna-se um anexo da Marpol, a Convenção Internacional sobre Prevenção da Poluição dos Transportes Marítimos, e passa a ser obrigatório a todos os navios.

A IMO é uma agência das Nações Unidas que zela pela segurança, proteção e eficiência ambiental do transporte marítimo global. Reuniu representantes de 176 países, além de quase 90 ONGs e entidades como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização dos
Estados Americanos (OEA). Desde as reuniões técnicas, iniciadas há 10 dias, mais de mil membros de governos, da indústria, de organizações ambientais e jornalistas participam do evento.

O transporte marítimo é, junto com a aviação civil, um dos dois setores globais que mais emitem carbono e que ficaram fora do Acordo de Paris, pela complexidade de exigir responsabilidade pelas emissões e encontrar formas de reduzi-las. Ambos, contudo, vêm avançando nesta trajetória.

Algumas estimativas indicam que a navegação consome, sozinha, 5% dos combustíveis fósseis vendidos no mundo. Isso seria mais do que todos os países, à exceção dos Estados Unidos e da China. As emissões do setor são estimadas em 3% do total global, o que supera as emissões da Alemanha, do Japão e de 260 usinas termelétricas a carvão.

O que está sendo decidido é um pacote de medidas para redução dos gasesestufa dos navios, de forma legalmente vinculante. Tem a ver com a estratégia para redução de gases-estufa do setor obrigatório, em conferência da IMO, em julho de 2023.

Na ocasião, os países concordaram em reduzir as emissões do transporte marítimo internacional em, pelo menos, 20% até 2030, fazendo esforços para chegar a 30%. Para 2040, o corte deverá ser algo entre 70% e 80%. Ao redor de 2050, um objetivo depende das condições de cada país, o setor tem que alcançar, globalmente, o zero líquido.

A decisão de 2023 foi considerada histórica, mas a estratégia não define medidas concretas de como chegar lá — e é isso que está na mesa agora. O que for definido deverá ser implementado por todos os navios.

A forma de reduzir, até 2050, 3% das emissões globais, terá custos. A decisão está sendo negociada levando em conta dois conjuntos de medidas — um técnico e um econômico.

A técnica trata da rotação de redução da intensidade de gases de efeito estufa por navio. É uma trajetória de descarbonização do setor marítimo. Na prática deverá estabelecer um teto de quanto os navios podem emitir. Está em discussão, agora, como esta rota será aplicada, com qual velocidade, qual o formato da curva.

A medida econômica, por sua vez, pode ser uma tributação universal, que é uma proposta liderada pelos países-ilha e defendida por muitas organizações ambientalistas. Se uma taxa bem projetada e simples, poderia destravar investimentos em combustíveis limpos e modernos, e criar uma nova cadeia de
valor em países em desenvolvimento. Nesta linha de raciocínio, o Brasil poderia ter vantagens, com matriz energética renovável e liderança em biocombustíveis.

“Essas negociações finais são um teste à substituição da IMO. Sem uma taxa universal, as metas climáticas da organização não significam nada. Essa é a forma mais rápida, eficaz e de menor custo para garantir uma transição justa e equitativa, onde ninguém ficaria para trás”, diz, em nota à imprensa, o
embaixador Albon Ishoda, enviado especialmente das Ilhas Marshall para a Descarbonização Marítima.

Esta proposta, contudo, para o Brasil e outros países da América do Sul que estão longe dos seus mercados compradores, como a Europa, a China, o Sudeste Asiático, é um problema. Argumentam que hoje não existem alternativas de combustíveis na escala comercial — alguns dados indicam que 92% dos navios operam com diesel de navegação e 8% com gás natural, que também é um combustível fóssil. Por esta visão, não é possível fazer uma transição de maneira rápida. Quem defende um táxon universal, contudo, entende o oposto.

Outro risco da taxa universal, identificado pelo Brasil, China, África do Sul e Índia, entre outros, é que os países em desenvolvimento assumem sozinhos os riscos da descarbonização.

A lógica por trás deste argumento é que os táxons universais podem tirar competitividade das commodities produzidas, por exemplo, na América do Sul. A taxa, cobrada aos donos dos navios, seria realmente diluída nos produtos. A soja ou o minério de ferro brasileiro ficariam mais caros.

Uma piada que circula entre alguns negociadores que vislumbram grande risco comercial na proposta de taxa universal é que a banana que o Equador exporta para a China ficaria tão cara que compensaria, à China, investir e tratar a terra na Mongólia e produzir bananas naquela região. O temor concreto é que um imposto universal, se aplicado, poderia cortar regiões mais remotas — e que vendem produtos de menor valor agregado — das rotas internacionais.

Para contrapor à ideia da taxa universal, o Brasil propôs outro caminho de acordo, baseado em uma curva de emissão até 2050 — quem estivesse acima da curva, pagaria uma espécie de multa alta, para perder o incentivo de poluição. Seria uma maneira mais gradual, daria um sinal econômico à indústria e ritmo
aos navios para se adaptarem. Com isso, poderia se induzir a transição do setor. A solução, contudo, não avançou. Ó impasse contínuo.

A saída, que ganhou força agora, é uma medida proporcional. O debate gira em torno de uma tributação parcial, com gradações para quem emite mais e quem emite menos. A medida seria aplicada por tonelada de carbono emitida por unidade de energia gerada. Há, no entanto, muitos pontos complexos em aberto a serem definidos nos próximos dias.

*Um jornalista recém-chegado à IMO a convite do Global Strategic Communications Council
(GSCC)

Fonte: Valor Econômico