‘Era regra do jogo’ na Petrobras pagar propina a Duque, diz executivo

‘Era regra do jogo’ na Petrobras pagar propina a Duque, diz executivo

Em depoimento à Justiça, Julio Camargo afirmou que valor era barganhado com ex-diretor da Petrobras; já Mendonça Neto contou que Duque consolidou cartel

O primeiro dia de depoimentos de delatores da Operação Lava-Jato à Justiça de Curitiba foi marcado por acusações ao ex-diretor de Serviços e Engenharia da Petrobras, Renato Duque, que está solto desde dezembro do ano passado. Julio Camargo, consultor ligado à Toyo Setal e à Camargo Corrêa, e Augusto Ribeiro Mendonça Neto, proprietário da Setal, confirmaram à Justiça — em depoimentos colhidos na segunda-feira mas divulgados nesta terça-feira — que Duque não apenas exigiu propina para assinar contratos entre as empreiteiras e a Petrobras, como a prática era “regra do jogo”. Duque negociava o valor das propinas e usava empresas de fachada para receber os pagamentos. Os depoimentos também mostraram que o cartel de empreiteiras para desviar recursos da Petrobras só se tornou efetivo quando o grupo, inicialmente formado por nove empresas, obteve acordo com Duque e Paulo Roberto Costa, da diretoria de Abastecimento.

Na semana passada, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, emitiu parecer favorável à prisão preventiva de Duque, ao analisar o mérito do habeas corpus concedido a ele no Supremo Tribunal Federal, em dezembro. Duque foi preso em novembro de 2014 por determinação da 13.ª Vara Federal de Curitiba, base da Operação Lava Jato, a pedido do Ministério Público Federal do Paraná e solto depois por decisão do ministro do Supremo Teori Zavascki. O Ministério Público Federal avalia que já dispõe de elementos suficientes para afirmar que a Diretoria de Serviços da Petrobrás, na gestão de Duque, captou cerca de R$ 650 milhões em propinas sobre contratos fechados de 2004 a 2012 com as empreiteiras do cartel.

Julio Camargo participou, pela Camargo Correa, de um consórcio que realizou obras na Refinaria Presidente Getulio Vargas (Repar), no Paraná. Ele contou à Justiça que Renato Duque solicitou “vantagem indevida” nos contratos da empreiteira com a Petrobras. O valor dos contratos era de R$ 2,4 bilhões. Indagado se “houve alguma solicitação de vantagem indevida por parte de algum diretor da Petrobras para obtenção do contrato deste consórcio?”, Julio Camargo responde que “sim” e cita especificamente Renato Duque e Pedro Barusco, braço-direito de Duque. Camargo contou que o pagamento de propinas de empresas à Petrobras era “regra do jogo”.

“Havia uma regra do jogo que se o senhor não pagasse propina à engenharia e ao abastecimento o senhor não teria sucesso ou o senhor não obteria contrato na Petrobras”, declarou Camargo.

A informação do pagamento de propina por obras na Repar a Duque e Barusco foi confirmada por Augusto Ribeiro de Mendonça Neto. A licitação foi vencida pela Setal em consórcio com a empresa Mendes Junior e com a MPE Montagens Industriais. Segundo ele, a propina foi paga por meio de empresas de fachada: Power To Tem Engenharia, Legend Engenheiros Associados, Rock Star Marketing, SM Terraplanagem e Soterra Terraplanagem. Essas cinco empresas, explicou, assinaram falsos contratos de prestação de serviços para o consórcio e eram encarregadas de fazer os depósitos no exterior e em outras contas indicadas por Duque.

Mendonça Filho fisse que não havia um operador para manejar a propina destinada à diretoria de Duque. Ou seja, não tinha um “Alberto Youssef”.

“Pagávamos um grupo de empresas e estas empresas é que depositavam nas contas indicadas por eles. Eram prestadores de serviços, que alugavam equipamentos, assinamos contratos pela obra por uma prestação de serviço que não ocorreu. Elas cobravam uma parte, a título de comissão, e disponibilizavam o saldo”, disse o executivo.

O empresário afirmou que uma parte da propina paga a Duque também foi feita por meio de empresas do consultor Júlio Camargo. Ele reafirmou que o pagamento de propina foi combinado diretamente com Duque e com Pedro Barusco, que era gerente da área. Barusco assinou acordo de delação premiada como Ministério Público Federal, assim como Mendonça Neto e Júlio Camargo.

Julio Camargo contou ainda, em seu depoimento, que barganhou o pagamento de propina a Duque. Em vez de pagar R$ 24 milhões, o empresário admitiu que pagou R$ 12 milhões, ou seja, 0,5% do valor da obra.

“Tinha como regra 1%, mas isso aí era muito flexível e sempre negociado. No meu caso eu sempre negociei para menor e nunca para maior”, declarou.

Camargo revelou ainda que não atuou juntamente à área de abastecimento, porque ele e a empreiteira, numa avaliação conjunta, entenderam que a empresa “tinha mais condição de ter uma solução na área de abastecimento”. Segundo ele, a Camargo Corrêa pediu que o consultor se concentrasse na área de engenharia “para obter sucesso na operação”.

Julio Camargo confirmou que quem cuidava de negócios com a área de abastecimento da Petrobras era Eduardo Leite (vice-presidente da Camargo Corrêa).

Já o empresário Augusto Ribeiro Mendonça Neto, dono da PEM Engenharia e da Setal, que deu origem ao Grupo Toyo Setal, afirmou que o cartel de empreiteiras para desviar recursos da Petrobras só se tornou efetivo quando o grupo, inicialmente formado por nove empresas, obteve acordo com Duque e Paulo Roberto Costa. Segundo Mendonça Neto, antes dos dois entrarem no esquema, as empresas haviam combinado apenas não concorrer entre si nas licitações da Petrobras, como forma de driblar as regras da petrolífera, que eram muito rígidas e tinham causado problemas financeiros aos fornecedores durante a década de 90.

Fonte: O Globo