Após regulamentação, o BR do Mar ainda pode gerar questionamentos

Após regulamentação, o BR do Mar ainda pode gerar questionamentos

Após a regulamentação da Lei do BR do Mar (14.301/2022), o Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) entende que há dois pontos principais a serem detalhados por meio de portaria no programa voltado para o incentivo à cabotagem: o conceito de ‘navios sustentáveis’ e as cláusulas essenciais de contratos de longo prazo entre armadores e embarcadores. No entanto, há avaliações de que alguns dispositivos do decreto 12.555/2025, publicado na última quinta-feira (17), ainda podem suscitar questionamentos.

O advogado Felipe Castilho (foto), observa que a caracterização das chamadas ‘operações especiais de cabotagem’ depende de análise mercadológica a ser realizada pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), com base em critérios como inovação de rota, tipo de carga e forma de acondicionamento. Castilho disse aos Portos e Navios que, embora previstos no texto normativo, esses elementos envolvem certo grau de subjetividade, o que pode abrir espaço para discussão.

A substituição de embarcações em construção no exterior é outro tema que tem chamado a atenção. Segundo Castilho, o procedimento exige a apresentação de contrato traduzido, depósito de cautela de até R$ 10 milhões e comprovação de execução mínima de 10% da obra, atestada por sociedade classificada reconhecida. A avaliação é que tais requisitos podem representar algum tipo de entrada, sobretudo para empresas de médio porte. Ele acrescentou que há previsão de perda da habilitação no caso de não ingresso da embarcação no prazo de 36 meses, o que exige cuidados no planejamento contratual.

Também tem sido objeto de debate, na Antaq, uma metodologia para o cálculo da tonelagem de porte bruto (TPB) da frota própria das empresas brasileiras de navegação (EBNs). “Apesar da existência de uma prática administrativa atualmente em uso, ainda não há regulamentação formal que estabeleça de maneira vinculante as configurações adotadas”, disse Castilho, que atua no escritório Kincaid Mendes Vianna.

A Confederação Nacional da Indústria avalia que, ainda que o decreto tenha apresentado os principais requisitos para habilitação das empresas ao BR do Mar, outros dispositivos importantes relacionados à execução plena do novo marco legal da cabotagem ainda deverão ser regulamentados neste ano. Para a CNI, merece atenção especial a portaria que tratará das cláusulas essenciais, assim como a portaria que vai dispor sobre a definição do conceito de embarque sustentável para fins de atendimento dos requisitos do programa.

Como a habilitação das empresas no programa BR do Mar está diretamente vinculada à delimitação desses conceitos, a CNI orienta que é essencial a participação do setor produtivo nas consultas públicas, de forma a garantir que o texto proposto nas portarias esteja alinhado às necessidades do setor transportador, da indústria naval brasileira e dos usuários do transporte por cabotagem.

Em linhas gerais, a CNI vê o decreto 12.555/2025 como um avanço importante no marco regulatório do BR do Mar, sobretudo na definição de critérios objetivos para o afretamento por tempo de embarques estrangeiros. A partir do novo marco legal, parte das regras de afretamento de embarques estrangeiros na modalidade a ‘casco nu’ foi flexibilizada, o que permitiu a entrada de novas empresas na navegação de contêineres, assim como novos afretamentos nessa modalidade.

Com a publicação do decreto, foram apresentadas as regras a serem cumpridas pela EBN, para que ela pudesse afretar embarcações estrangeiras na modalidade ‘a tempo’, de acordo com as condições previstas no BR do Mar. Antes, somente quem tinha ‘lastro’ em navios próprios poderia afretar embarcações estrangeiras a ‘casco nu’ e o afretamento ‘a tempo’ era limitado aos casos em que não havia embarque com bandeira brasileira disponível.

A confederação também destacou que o decreto introduz, pela primeira vez, um conceito regulatório de embarque sustentável, atrelado a critérios ambientais e sociais. O programa estabelece cinco hipóteses distintas de afretamento, com regras de proporcionalidade vinculadas à frota própria operante da empresa e ao grau de sustentabilidade das embarcações utilizadas.

A partir do decreto regulamentador, uma das possibilidades é a ampliação da frota em até 300% da TPB, desde que a empresa conte com embarcações próprias ‘sustentáveis’ na sua frota e afrete embarcações igualmente com essas características, a serem definidas por portaria. A previsão do MPor é que este normativo que definirá o conceito de ‘embarcações sustentáveis’ entre em consulta pública em agosto e será publicado, em novembro, durante a COP30, a conferência do clima na Amazônia, que será realizada em Belém (PA).

Para o diretor de relações institucionais da CNI, Roberto Muniz, a regulamentação cria as condições para o desenvolvimento da navegação. “O BR do Mar inaugura um novo momento para a infraestrutura do país. Teremos maior segurança jurídica com o estabelecimento de regras claras para as operações de transporte de cargas por cabotagem no Brasil, o que vai estimular o crescimento do setor”, afirmou Muniz.

A CNI confirma a importância de embarques sustentáveis na frota brasileira, mas pondera que as cláusulas a serem definidas na portaria para políticas de sustentabilidade não podem comprometer a ampliação do uso do modal e o desenvolvimento da indústria naval brasileira, tampouco são mais restritivos que em outros países.

Muniz lembra que a cabotagem já é seis vezes menos poluente que o transporte rodoviário, se considerada a distância e o volume transportado. O superintendente de infraestrutura da CNI, Wagner Cardoso, acrescentou que, se antes dos impostos critérios rígidos na portaria ministerial para definição do conceito de ‘embarcação sustentável’, pode ser que a opção dos usuários fique no modal mais poluente.

Fonte: Portos e Navios