O polêmico porta-aviões que a Marinha brasileira afundou em alto-mar

O polêmico porta-aviões que a Marinha brasileira afundou em alto-mar

A Marinha do Brasil e o Ministério da Defesa afundaram na sexta-feira, 3, o navio porta-aviões São Paulo, depois de uma trajetória de erros e polêmicas que se arrastaram há pelo menos seis meses. Entre outros problemas, o casco da embarcação contém cerca de 9,6 toneladas de amianto, substância tóxica cuja comercialização é proibida no Brasil por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF, e pode causar danos ao meio ambiente.

O porta-aviões foi aposentado pela Marinha em 2018 e vendido para a empresa turca Sök Denizcilik Tic Sti em 2021, por meio de uma licitação. A intenção da empresa era levar o navio para a Turquia, mas o país não autorizou a entrada. Segundo o ministro do Meio Ambiente turco, Murat Kurum, as autoridades brasileiras não cumpriram as exigências necessárias, como uma inspeção no barco e a entrega de um “inventário de substâncias perigosas”.

A empresa, então, quis atracar o navio em Recife, mas foi impedida pelo governo do estado, que considerou que havia risco ambiental. O Tribunal Regional Eleitoral da 5ª Região (TRF5) também proibiu o navio de estacionar no estado, sob pena de multa diária de 100 mil reais em caso de descumprimento.

O Ibama informou que sua equipe técnica estima que a liberação de materiais poluentes contidos na estrutura do navio poderia causar distúrbio na capacidade filtrante e dificuldade de crescimento em organismos aquáticos, além da morte de espécies e deterioração de ecossistemas marinhos. “A carcaça poderia atrair espécies invasoras prejudiciais para a biodiversidade nativa, e os microplásticos e metais pesados presentes em tintas da embarcação poderiam se tornar protagonistas de uma bioacumulação indesejável em organismos aquáticos. Como agravante, todos os impactos previstos poderiam ocorrer em hotspots de biodiversidade, fundamentais para a vida marinha”, declarou.

A Marinha assumiu as operações que envolvem o porta-aviões em 20 de janeiro e afirmou que “não sobrou alternativa ao Estado brasileiro a não ser considerar o bem como perdido”. Segundo o órgão, há “severa degradação” nas condições de flutuabilidade e estabilidade do navio e a empresa turca não adotou as providências necessárias para manutenção do casco em segurança, em área marítima indicada. Por conta disso, a Marinha pretende afundar a embarcação. O Ministério Público Federal pediu que a Justiça proibisse o afundamento, mas o pedido foi negado.

Na quarta-feira, a empresa saudita Sela ofereceu 30 milhões de reais pelo navio. A Marinha, no entanto, resolveu afundá-lo mesmo assim. “Diante dos fatos apresentados e do crescente risco que envolve a tarefa de reboque, em virtude da deterioração das condições de flutuabilidade do casco e da inevitabilidade de afundamento espontâneo/não controlado, não é possível adotar outra conduta que não o alijamento do casco, por meio do afundamento planejado e controlado”, disse em nota.

A área exata do afundamento não foi informada, mas ela fica a cerca de 350 km da costa brasileira, ainda em águas internacionais sob jurisdição brasileira.

 

“Reciclagem verde”

O Ibama defendia que o navio passasse pelo processo de “reciclagem verde”. No entanto, não há estaleiros credenciados para isso no Brasil. A embarcação teria que ser exportada para países que possuem essa estrutura, como Itália, Noruega, Dinamarca, Reino Unido ou Turquia.

Após receber a informação que o navio seria mesmo afundado, o órgão afirmou que “a medida vai na contramão do empenho de técnicos do Ibama para garantir a destinação ambientalmente adequada prevista na regulamentação sobre transporte internacional de resíduos, a Convenção de Basileia”.

O instituto solicitou à Marinha o mapeamento de fundo da área selecionada, o método pretendido para provocar o naufrágio e informações que permitam avaliar alternativas para mitigação, reparação e salvaguarda do meio ambiente. O Ibama também recomendou a elaboração de um Plano de Monitoramento da Água. “Além de todas as análises técnicas previstas na legislação de referência, o Ibama ingressou com ações judiciais e notificou diversas vezes a empresa que arrematou a embarcação em leilão, sempre com o intuito de assegurar o desfecho que resultasse em menor risco de danos ao meio ambiente”, completou.

História

O porta-aviões São Paulo foi encomendado em 1963 pela Marinha da França e tinha o nome de Foch (R99). A embarcação de 32,8 mil toneladas, 265 metros e capacidade para 2.000 tripulantes foi usado pelo governo francês em diversas missões na África, Oriente Médio e Europa.

Em 2000, ele foi transferido para o Brasil e alçado à condição de nau-capitânia da armada brasileira. A ideia era utilizá-lo até por volta de 2040, mas o porta-aviões sempre teve problemas e foi submetido a serviços de reparos com frequência. Em 2017, a Marinha brasileira anunciou que ele seria desmobilizado, por ter se tornado obsoleto e caro.