Petrobras se adapta a lei de estatais e deixa de usar licitação por convite

Petrobras se adapta a lei de estatais e deixa de usar licitação por convite

Todo o processo de contratação da Petrobras estará de acordo com a Lei nº 13.303, a chamada Lei das Estatais, a partir de hoje. A adaptação, que vai acabar com o uso das licitações por convite, ocorre pouco mais de um mês antes do prazo limite de 30 de junho para que todas as companhias controladas pelo setor público cumpram a regra, contou Márcio Campanelli, gerente executivo de conformidade da Petrobras, em entrevista exclusiva ao Valor.

Aprovada em junho de 2016, a Lei das Estatais determina regras mais rígidas em licitações e governança corporativa. As normas gerais de contratação estarão presentes no Regulamento de Licitações e Contratos da Petrobras (RLCP).

Segundo Campanelli, em termos de governança a estatal petroleira já está adaptada à lei e agora caminha também para a conclusão no âmbito das licitações.

Após verificação de fornecedores, supervisão de integridade passará a incluir patrocínios

Antes de expandir para todas as unidades o novo modelo de contratação, a estatal petroleira primeiro realizou testes na Bacia de Campos e Espírito Santo, no qual a principal mudança foi a extinção das licitações por convite, sendo agora todas públicas, isto é, abertas para os interessados que se enquadrarem ao edital.

“Algumas áreas já aderiram à nova sistemática de contratação nos moldes da nova legislação e estamos testando nessas unidades (Bacia de Campos e Espírito Santo) para ver se tem algum aprimoramento. Agora em maio, um mês antes da nova legislação, todo o processo de contratação já estará moldado na Petrobras”, contou.

Criada em 2014, a diretoria de governança e conformidade (compliance) da Petrobras, da qual Campanelli faz parte, veio na esteira da operação Lava-Jato, da Polícia Federal, e tem como objetivo a melhora de controles internos para evitar novos casos de irregularidades. “O compliance hoje na Petrobras está dentro de todo o processo decisório, tanto na governança como no dia a dia. Tudo o que é feito na companhia passa por colegiados ou, no mínimo, há assinatura cruzada”, disse.

Um dos programas da área de conformidade é o Due Diligence de Integridade (DDI), que já avaliou 16 mil fornecedores da Petrobras. “Verificamos antecedentes e como a empresa agiu. A questão não é ver se teve problemas no passado, mas quais mecanismos a companhia implementou para evitar que aconteça novamente.”

O DDI, segundo Campanelli, foi recentemente ampliado para outras contrapartes além dos fornecedores, tais como clientes, entidades patrocinadas e empresas interessadas na compra de ativos, como parte do programa de desinvestimentos da Petrobras.

Em relação aos patrocínios, o executivo contou que foi assinado há duas semanas um acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para capacitação de 180 organizações não governamentais (ONGs) em gestão empresarial e compliance. “Vamos disseminar o assunto em entidades que recebem patrocínio”, disse.

No caso de venda de ativos, Campanelli reiterou que as regras de conformidade estão em toda a sistemática, definida em cinco etapas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). “Todas as áreas da empresa participam da sistemática de desinvestimento, como o jurídico e tributário. Também há avaliação dos riscos dos compradores.”

A diretoria de governança e conformidade da Petrobras é independente, respondendo diretamente ao conselho de administração, e comandada desde a sua criação por João Elek, que deve deixar o cargo nas próximas semanas. Em seu lugar, tomará posse Rafael Mendes Gomes, eleito pelo conselho de administração no dia 25 de abril de 2018.

Gomes era sócio sênior do escritório Chediak Advogados, responsável pela área de conformidade e investigação. Segundo Márcio Campanelli, ele foi escolhido por uma headhunter, termo em inglês usado para companhias de recursos humanos especializadas em encontrar executivos no mercado. “Foi escolhido por um headhunter para ser independente e evitar qualquer tipo de influência. Ele deve tomar posse nas próximas semanas”, contou.

O executivo não revelou quanto a Petrobras investiu em governança e conformidade nos últimos anos, mas afirmou que a diretoria “tem todos os recursos necessários”. Hoje, a divisão conta com 500 funcionários, sendo nove gerentes com certificados internacionais na área. Em 2017, cerca de 46 mil funcionários foram treinados em toda a Petrobras, incluindo a diretoria e conselho de administração.

Campanelli explicou que o desafio da área de conformidade é a “mudança cultural” de forma rápida, para que faça parte do DNA da empresa. “O compliance dá mais segurança na tomada de decisão, tranquilidade e evita custos relacionados às infrações.”

O executivo lembrou que, em investigações recentes, como a Lava-Jato, muitas companhia tiveram impacto financeiro elevado por não ter programas do tipo. “As empresas são formadas por pessoas e historicamente podem ocorrer desvios, mas são individuais. Se a companhia identifica, pune e corrige, evita que recaia como ônus. E se acontecer, claramente não tem compactuação, porque a empresa tomou os cuidados necessários.”

Embora não seja uma atribuição estrita da área de compliance, uma evidência da melhora nos processos da Petrobras está no fato de a empresa ter deixado de reportar à Securities and Exchange Commission (SEC), no relatório referente ao balanço de 2017, a existência de deficiências significativas em seus controles internos. Quando apresentou os demonstrativos sobre os anos de 2014, 2015 e 2016, a estatal teve que admitir problemas de controle, sendo o mais grave a ausência de uma “cultura ética” vinda da cúpula da companhia. No jargão da área, o “tone at the top” era inadequado. (Colaborou Fernando Torres)

Fonte: Valor